domingo, 1 de julho de 2012

Mitternacht




O som sibilante dos automóveis domina a noite melancólica. Vão para todas as direcções menos para a que ela deseja, o mesmo acontece-lhe com a vida.
Um pouco de si é transportado em cada carro que passa, segue mesmo para onde não quer, mas nos que param e levam-lhe o corpo, é roubado mais do que isso. A brisa fresca fustiga-a, pouco coberta, manequim vivo na berma da estrada.
Na mente surge-lhe o acolhedor quarto de infância e primeiros anos de juventude, cálido e sempre pronto para o seu repouso.
Todos os que param e levam-na para os mais estranhos sítios lhe parecem iguais. São apenas o garante da sobrevivência, e por vezes um vislumbre de seu fim. As regras são ditadas antes do saque à liberdade, mas nem sempre respeitadas.
Na periferia escura da cidade um luxuoso veículo encerra o seu movimento junto desta silhueta feminina, o seu ocupante procura carne, não sentimentos, o vidro desce...
-Mano! As lágrimas, misturadas com a maquilhagem, sulcam um misto de embaraço e alegria. Não se viam há 12 anos...




Texto surgido entre um momento em que apenas se ouvia o trânsito a soprar o vento na sua passagem e a audição do tema Mitternacht, presente no álbum Autobahn dos Kraftwerk.