O som sibilante dos
automóveis domina a noite melancólica. Vão para todas as direcções
menos para a que ela deseja, o mesmo acontece-lhe com a vida.
Um pouco de si é
transportado em cada carro que passa, segue mesmo para onde não
quer, mas nos que param e levam-lhe o corpo, é roubado mais do que
isso. A brisa fresca fustiga-a, pouco coberta, manequim vivo na berma
da estrada.
Na mente surge-lhe o
acolhedor quarto de infância e primeiros anos de juventude, cálido
e sempre pronto para o seu repouso.
Todos os que param e
levam-na para os mais estranhos sítios lhe parecem iguais. São
apenas o garante da sobrevivência, e por vezes um vislumbre de seu
fim. As regras são ditadas antes do saque à liberdade, mas nem
sempre respeitadas.
Na periferia escura da
cidade um luxuoso veículo encerra o seu movimento junto desta
silhueta feminina, o seu ocupante procura carne, não sentimentos, o
vidro desce...
-Mano! As lágrimas,
misturadas com a maquilhagem, sulcam um misto de embaraço e alegria.
Não se viam há 12 anos...
Texto surgido entre um momento em que apenas se ouvia o trânsito a soprar o vento na sua passagem e a audição do tema Mitternacht, presente no álbum Autobahn dos Kraftwerk.